21/07/2013

O Tempo Pede Desculpas II - Lucinda Prado



















Vi um homem velho
descalço de vida
vi um home velho
despido de sonhos
vi um homem velho
mirando o horizonte
buscando o descanso
da eternidade.
vi um homem velho
que trazia às costas
um saco de ilusões  perdidas
e seu corpo vergado
se arrastar lentamente
pela estrada fria,
nos viu passar por ele,
não com a indiferença
dos que apenas passam...
Mirou fundo minh’ alma
tocou meus sonhos
embalou minhas ilusões
me fez um aceno com os olhos
abençoou com gesto lento
e se perdeu na curva de pó.
vi um homem velho
dentro de mim.


(da série – Divagando)

26/06/2013

Meu passarinho,passarão!


Hoje o dia amanheceu de uma calmaria desconcertante. Abri a porta que dá para o quintal e me deparei com uma cena lindíssima! Fazendo a maior algazarra sobre a grama, um passarinho do papo amarelo, lindo e faqueiro tomava seu banho matinal na água que escorria do regador. Era um bem-te-vi festeiro.
Fiquei olhando aquela cena e me perdi em pensamentos.
Lembrei-me da história que minha mãe nos contava sobre como o João de Barro foi criado por Jesus. Ela nos contava que uma criança havia feito um passarinho de barro, e olhando sua obra acabada e tentando dar vida a ela, começou a rodopiar em volta do pássaro e batendo palmas dizia:
Voa passarinho! Voa passarinho! – E que Jesus vendo de longe a pureza do menino, o ajudou na sua façanha, dando vida ao passarinho, que saiu voando. Dai o menino resolveu que seu passarinho não poderia ficar sozinho no mundo e da mesma forma ele criou a D. Joaninha de Barro e que o casal de pássaros saiu feliz e se multiplicando pelo mundo de Deus.
Outra história que ela nos contava, talvez porque fomos criadas em uma fazenda, ela aproveitava o ambiente como ilustração para nos educar.
Tínhamos pavor dos bem-te-vis porque ela dizia que eles eram os pássaros do “capeta” e era considerado um dedo duro. Ela dizia que o bem-te-vi foi quem contou para os soldados onde estava Maria e José quando eles fugiam com o menino Jesus e que somente não tinham sido descobertos pelos soldados porque o João-de-barro os havia escondido em sua casinha de barro.
Esta era a maneira um tanto pueril que nossa mãe encontrou de nos falar de traição.
Mas agora eu ali olhando aquele bem-te-vi, comecei a rir do nosso pavor infantil.
Moro numa rua chamada Rouxinol, aliás, todas as ruas do bairro trás o nome de um pássaro. E acredito que isto tenha uma razão de ser. Aqui todos os anos recebemos a visita de milhares de andorinhas que migram do Canadá para o Brasil fugindo do inverno rigoroso da América do Norte. Elas vêm em milhares, cruzam o céu batendo freneticamente suas asas delicadas, num barulho quase assustador... Aninham-se nas copas das árvores da rua. O barulho que fazem é enorme e a sujeira também. Quando amanhece o dia, embaixo das árvores, fica uma lama de fezes e isto leva alguns vizinhos a tomarem medidas nada corretas, chegam ao cúmulo de cortar a copa das árvores deixando apenas os troncos. Outros soltam fogos, outros ainda batem tampas de panelas, na esperança de espantá-las dali... Tudo em vão.
Esses adultos zangados se esquecem de suas infâncias, não se lembram das falas dos mais velhos que diziam que as andorinhas foram criadas por Deus para alegrar Maria e também para brincar com menino Jesus.
Lucinda Prado



02/06/2013

DICOTOMIA - Lucinda Prado


hoje a poesia me pegou desprevenida
procuro rimas e encontro vazios
o coração grita, grito de silêncio
a mão teima em não obedecer
ao impulso do que não vêm

já fui outras poesias, outros cantos
já fui até Lusíadas
já fui carbono
já fui bicabornato

hoje o que sou?
sou mais Quintana e Drummond?
e o poeta que grita em mim?
grito profundo, seco, rimatico
não posso deixa-lo dormir
tento acorda-lo
Sacudindo-o dentro de mim.

28/04/2013

Pamonhada - Lucinda Prado






















Histórias, causos, piadas,
Cada espiga de milho colhido
Tem seu ritual e suas falas
Uma rodela, outro desempalha.
Cuidado! Separe somente as melhores palhas
Outro cata os cabelos entranhados
Que durantes dias foram se formando ali
Entre tenros dentes de milhos amarelados
Suculentos, adocicados e estalantes
Qual a função dos cabelos de milhos?
Ninguém sabe não, é preciso pesquisar
E dos mais velhos vêm à explicação:
Foram colocados ali para dar o grito
De “tá bão, vamos pra pamonhada”.

No respingar do sumo escorrendo pelo ralo
Ritmos de cantorias de violas afinadas
Há de coar a massa pra tirar o bagaço
Que na brincadeira virá uma pamonha premiada
Para deleite dos convivas em torno do fato
Na temperança vem de tudo, sal, doce e linguiça
no fogão a lenha, crepita labaredas douradas,
Água fervente fumegando nas tachas de cobre
Convidando para  pamonhas cozinhar.
Das palhas de copos perfeitos!
Precisa de uma para atar, cuidado!
Queijo em nenhuma pode faltar!

Com o poente tecendo seus versos
Pamonhas embaladas, ajeitadas em tachas ferventes.
Palhas e sabugo por cima tem que se colocar
Tempo, tempo, tempo para cozinhar.
No ar aromas, calor, fumaça... Prontas!
Corre com as peneiras para escorrer
Mãos treinadas as arrancam da tacha
Vapores, Dolores, sabores...

A viola se cala, homens, mulheres, crianças
Famintas, em alvoroços, rodeiam
Mulheres de olhos aflitos procuram
Elogios e huns e ais
Um certo cuidado toma conta de todos
Quem será o premiado? Atenção!
Pamonha de farelo ninguém quer não
Alguém grita - quem será o premiado?
Rostos suados, olhos aflitos,
Ninguém quer pagar mico,
De repente uma explosão de risos
Denuncia o sortudo, coitado, sem graça!
Gargalhadas explodem; pura festança.

Começam as apostas de quem come mais.
Suores escorrem de rostos felizes
Moleza aproxima de corpos pesados
E agora?
Quem lava os pratos?
Disputa na sorte!


 Obs: Coisas de Goiás,minha terra natal. Por lá ainda é uma festa o ajuntamento de pessoas para a feitura de pamonhas. Aliás, o ritual virou patrimônio cultural de Goiás.
Nessas ocasiões acontece grandes rodadas de viola.

25/03/2013

Para Adélia Prado e para Drummond



COM LICENÇA POÉTICA – Adélia Prado




Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo.  Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Momentos - Vídeos




07/02/2013

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Historia:
Coletânea de Contos Sobre Andarilhos e Loucos
A ideia da coletânea de contos em torno do tema “Andarilhos, Loucos de Rua” começou a povoar meu imaginário e de alguns contistas do Clube Caiubi de Compositores e resolvemos juntar histórias em torno desse livro, que vem buscar as características das relações que se travam entre loucos de rua e a comunidade, contar a maneira como o convívio com eles toca o imaginário popular e produz efeitos culturais.
Somos 30 contistas contando 40 contos, todos sobre doidos de rua, andarilhos. Buscamos resgatar valores que vêm se perdendo ao longo dos tempos e que tiveram importância ímpar na compreensão de vida das comunidades ou dos grupos sociais de então, com uma riqueza imensa de valores e forma de lidar com as emoções suscitadas pelas histórias, ao mesmo tempo cheias de humor, de piedade e até de certa maldade.

Selos de reconhecimento

Lista de autores:
e mais:
E Mais:
Revisão de texto: Léo Nogueira
Diagramação: Sergio Vitulli
Capa: Marcelo Chagas
Desenho da capa
Lúcia Helena Corrêa
Prefácio: Tavito
Apresentaçãoka: Sonekka
Patrocínio/Produção:
CLUBE CAIUBE DE COMPOSITORES
www.clubecaiubi.ning.com
Agradecimentos:
AGRADECEMOS, pelo apoio na seleção e revisão dos
textos à escritora e produtora cultural Elida Kronig; ao
músico, compositor e escritor Érico Baymma; ao
professor, poeta, cronista e contista Léo Nogueira; e à
jornalista, poeta, compositora e intérprete Lucia Helena
Corrêa, que também assina a reprodução de pintura da
capa.
Agradecemos, também, pelo apoio, aos associados do
Clube Caiubi de Compositores.

29/01/2013

Roteiro para ler poesia - Dividindo Saberes


Achei super interessante a forma como Rafael Rocha Daud (do site Roteiro para ler poesia )se coloca e as dicas que ele dá de como ler um poema. Já que temos tantos poetas por aqui,ai vai o texto.
Lucinda Prado

Roteiro para ler poesia

Como parte de nosso projeto de espalhar mais poesia pelo mundo. Apresentamos um roteiro para ler poesia, elaborado por Rafael Rocha Daud, o Daud. Recém-chegado e cheio de disposição em nosso grupo.

***
As pessoas leem poesia por variados motivos. Seja pela apreciação estética, seja pelo compartilhamento de ideias ou mesmo por curiosidade pela engenhosidade alheia, existem tantas maneiras de ler um poema como existem leitores. Este roteiro pretende levantar alguns modos típicos e importantes para tentarmos empreender nossas leituras.

Imagem de Clastenes Cardoso e Christianne Hayde no Flickr em CC, alguns direitos reservados.
1. Ler
Parece óbvio, mas é nessa parte que esbarra 80% das pessoas. Para entender um poema, é preciso em primeiro lugar lê-lo. Pode-se — e na verdade deve-se — fazer isso de mais de uma forma. Ler rapidamente, em voz baixa, do começo ao fim; ler pausadamente, tentando captar o sentido de cada verso ou estrofe; ler em voz alta, com atenção para o ritmo e melodia; ler para alguém. Cada uma dessas formas de leitura visa apreender um aspecto diferente do poema. Nem todos os poemas fazem uso extenso de todos os recursos da poesia, mas é importante ler de várias formas diferentes para fazer aparecer os recursos que o poeta dispendeu. Nenhuma leitura é capaz de dar conta de todos esses recursos sozinha.
2. Decorar
Dizem que o verbo decorar deriva da expressão “de coração”, querendo dizer que aquilo que decoramos trazemos mais perto do peito. Alguns poemas são muito longos para isso, e os versos brancos (isto é, sem rima) ou livres (isto é, sem métrica) não são os mais fáceis de ser decorados. Além disso, algumas pessoas acham particularmente difícil memorizar qualquer coisa escrita (neste caso, podem tentar memorizar pela audição, declamando o poema várias vezes para si mesmas). De todo modo, todo mundo é capaz de decorar um ou dois versos, e cada verso isolado num poema é uma porta de acesso à sua totalidade, de maneira que saber um ou dois versos de cor certamente vale mais que não saber nenhum.
A principal vantagem de saber versos de cor (além de impressionar num salão) é que a compreensão da poesia não é unicamente racional, mas depende um pouco da experiência e mesmo da inspiração. Apreender um poema é em parte acessar a inspiração que o criou, e isso pode levar algum tempo, então é preciso “carregar” o poema consigo durante um certo tempo até que ele deixe você entrar. Nem todos os versos ou poemas valem essa companhia tão dedicada, mas você pode sempre escolher aqueles que carrega consigo.
3. Meditar
É preciso meditar no poema. Descobrir o significado das palavras desconhecidas. Reparar nas ambiguidades, no sentido das frases. Descobrir seu endereçamento (para quem ou para quê foram escritos) assim como sua origem (quem os escreveu, quando, onde). Pensar um pouco sobre cada um desses aspectos pode revelar chaves de compreensão que a mera contemplação não traz.
4. Escolher
Assim como um poeta escolhe as palavras, também o leitor precisa fazer certas escolhas. É num certo espelhamento com o autor que o poema se revela: autor e leitor não são entidades totalmente separadas, todo autor é um pouco leitor de si mesmo, e todo leitor é um pouco autor do que lê. É nesse sentido que se diz que cada um lê um poema diferente. Então é preciso escolher, num poema, aqueles versos que mais agradam, que mais dizem, aquilo que consideramos o principal no poema, que julgamos que seja o essencial. Isso pode ser qualquer coisa: um verso, uma ideia, um som, um ritmo, uma palavra, uma rima. Quando traduzimos um poema, é isso que fazemos: escolhemos preservar (uma vez que não é possível preservar tudo, embora seja falso que a poesia é intraduzível) uma ou mais características do poema, e fazemos essa escolha de acordo com aquilo que julgamos mais importante no poema.

imagem de Premasagar no Flickr em CC, alguns direitos reservados.
5. Discutir
Finalmente, não basta ler um poema e guardá-lo no bolso. Se ele não produzir nenhuma mudança em nós, então perde seu valor de poema. Essa mudança pode se dar em vários níveis: mudar uma maneira de perceber as coisas, mudar uma maneira de ler as coisas, e também mudar nossa maneira de nos comunicar, de argumentar, de pensar. Por isso, é possível discutir a poesia (não necessário, mas sempre possível). O que esse poema apresenta de novo? Que aspecto do mundo ele põe em destaque? Que posição ele adota (pensando num campo de embate ou debate)? Tais coisas podem ser explicitadas por meio da discussão, defendidas ou atacadas (como cada um lê um poema, nem todos estarão de acordo quanto à maneira de responder essas perguntas) e finalmente escolhidas (claro que cada um é livre para continuar pensando como quiser, mas esse pensamento se enriquece só de conhecer os outros pensamentos possíveis).
Posfácio
Poemas são formas sintéticas. Isso quer dizer que é possível transmitir muito através da forma compacta do poema. Eles são meios bastante eficazes, por isso, tanto para transmitir ideias, para formular argumentos, como para ensinar. As 5 etapas da leitura de um poema que expusemos (sem serem as únicas possíveis, claro, mas as elementares) permitem destrichar, ou analisar o poema, e como que aplicar engenharia reversa nele. O resultado dessa análise, ao ser transmitido para outra pessoa (ou construído com ela, como pretendemos aqui), permite acessar o sintético do poema, potencializando sua capacidade sintética de transmissão, fazendo com que sirva de reservatório de um campo muito mais amplo de debate.
Ex.: o poema Todesfuge, de Paul Celan, cujo refrão diz “Wir trinken und trinken”, a Ana Rusche analisou dizendo que a repetição do som tr tr remetia à presença massiva das metralhadoras e da produção industrial nos campos de concentração. A partir dessa análise, eu pude traduzir o título por Fuga à Morte, e o refrão por “E tragamos e tragamos”, preservando dois aspectos que não eram evidentes para mim (que conheço pouco o alemão e conhecia pouco a história do poema), o que teria se perdido sem essa análise (e que aliás se perdeu em muitas traduções famosas do poema).
***