CHARLES BUKOWSKI

    Charles Bukowski
    Poeta
    Henry Charles Bukowski Jr foi um poeta, contista e romancista estadunidense nascido na Alemanha. Sua obra de caráter obsceno e estilo totalmente coloquial, com descrições de trabalhos braçais, porres e ... Wikipédia
    Nascimento16 de agosto de 1920, Andernach, Alemanha
    Falecimento9 de março de 1994, San Pedro, Califórnia, EUA
    FilhaMarina Louise Bukowski

    o pássaro azul

    (Tradução: Pedro Gonzaga)
    há um pássaro azul em meu peito
    que quer sair
    mas sou duro demais com ele,
    eu digo, fique aí, não deixarei que ninguém o veja.
    há um pássaro azul em meu peito que
    quer sair
    mas eu despejo uísque sobre ele e inalo
    fumaça de cigarro
    e as putas e os atendentes dos bares
    e das mercearias
    nunca saberão que
    ele está
    lá dentro.
    há um pássaro azul em meu peito
    que quer sair
    mas sou duro demais com ele,
    eu digo,
    fique aí,
    quer acabar comigo?
    (…) há um pássaro azul em meu peito que
    quer sair
    mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
    somente em algumas noites
    quando todos estão dormindo.
    eu digo: sei que você está aí,
    então não fique triste.
    depois, o coloco de volta em seu lugar,
    mas ele ainda canta um pouquinho
    lá dentro, não deixo que morra
    completamente
    e nós dormimos juntos
    assim
    como nosso pacto secreto
    e isto é bom o suficiente para
    fazer um homem
    chorar,
    mas eu não choro,
    e você?

    então queres ser um escritor?

    (Tradução: Manuel A. Domingos)
    se não sai de ti a explodir
    apesar de tudo,
    não o faças.
    a menos que saia sem perguntar do teu
    coração, da tua cabeça, da tua boca
    das tuas entranhas,
    não o faças.
    se tens que estar horas sentado
    a olhar para um ecrã de computador
    ou curvado sobre a tua
    máquina de escrever
    procurando as palavras,
    não o faças.
    se o fazes por dinheiro ou
    fama,
    não o faças.
    se o fazes para teres
    mulheres na tua cama,
    não o faças.
    se tens que te sentar e
    reescrever uma e outra vez,
    não o faças.
    se dá trabalho só pensar em fazê-lo,
    não o faças.
    se tentas escrever como outros escreveram,
    não o faças.
    se tens que esperar para que saia de ti
    a gritar,
    então espera pacientemente.
    se nunca sair de ti a gritar,
    faz outra coisa.
    se tens que o ler primeiro à tua mulher
    ou namorada ou namorado
    ou pais ou a quem quer que seja,
    não estás preparado.
    não sejas como muitos escritores,
    não sejas como milhares de
    pessoas que se consideram escritores,
    não sejas chato nem aborrecido e
    pedante, não te consumas com auto-devoção.
    as bibliotecas de todo o mundo têm
    bocejado até
    adormecer
    com os da tua espécie.
    não sejas mais um.
    não o faças.
    a menos que saia da
    tua alma como um míssil,
    a menos que o estar parado
    te leve à loucura ou
    ao suicídio ou homicídio,
    não o faças.
    a menos que o sol dentro de ti
    te queime as tripas,
    não o faças.
    quando chegar mesmo a altura,
    e se foste escolhido,
    vai acontecer
    por si só e continuará a acontecer
    até que tu morras ou morra em ti.
    não há outra alternativa.
    e nunca houve.

    quatro e meia da manhã

    (Tradução: Jorge Wanderley)
    os barulhos do mundo
    com passarinhos vermelhos,
    são quatro e meia da
    manhã,
    são sempre
    quatro e meia da manhã,
    e eu escuto
    meus amigos:
    os lixeiros
    e os ladrões
    e gatos sonhando com
    minhocas,
    e minhocas sonhando
    os ossos
    do meu amor,
    e eu não posso dormir
    e logo vai amanhecer,
    os trabalhadores vão se levantar
    e eles vão procurar por mim
    no estaleiro
    e dirão:
    “ele tá bêbado de novo”,
    mas eu estarei adormecido,
    finalmente, no meio das garrafas e
    da luz do sol,
    toda a escuridão acabada,
    os braços abertos como
    uma cruz,
    os passarinhos vermelhos
    voando,
    voando,
    rosas se abrindo no fumo
    e
    como algo esfaqueado e
    cicatrizando,
    como 40 páginas de um romance ruim,
    um sorriso bem na
    minha cara de idiota.

    poema nos meus 43 anos

    (Tradução: Jorge Wanderley)
    terminar sozinho
    no túmulo de um quarto
    sem cigarros
    nem bebida—
    careca como uma lâmpada,
    barrigudo,
    grisalho,
    e feliz por ter um quarto.
    …de manhã
    eles estão lá fora
    ganhando dinheiro:
    juízes, carpinteiros,
    encanadores , médicos,
    jornaleiros, guardas,
    barbeiros, lavadores de carro,
    dentistas, floristas,
    garçonetes, cozinheiros,
    motoristas de táxi…
    e você se vira
    para o lado pra pegar o sol
    nas costas e não
    direto nos olhos.

    uma palavrinha sobre os fazedores de poemas rápidos e modernos

    (Tradução: Jorge Wanderley)
    é muito fácil parecer moderno
    enquanto se é o maior idiota jamais nascido;
    eu sei; eu joguei fora um material horrível
    mas não tão horrível como o que leio nas revistas;
    eu tenho uma honestidade interior nascida de putas e hospitais
    que não me deixará fingir que sou
    uma coisa que não sou —
    o que seria um duplo fracasso: o fracasso de uma pessoa
    na poesia
    e o fracasso de uma pessoa
    na vida.
    e quando você falha na poesia
    você erra a vida,
    e quando você falha na vida
    você nunca nasceu
    não importa o nome que sua mãe lhe deu.
    as arquibancadas estão cheias de mortos
    aclamando um vencedor
    esperando um número que os carregue de volta
    para a vida,
    mas não é tão fácil assim —
    tal como no poema
    se você está morto
    você podia também ser enterrado
    e jogar fora a máquina de escrever
    e parar de se enganar com
    poemas cavalos mulheres a vida:
    você está entulhando a saída — portanto saia logo
    e desista das
    poucas preciosas
    páginas.

    outra cama

    (Tradução: Pedro Gonzaga)
    outra cama
    outra mulher
    mais cortinas
    outro banheiro
    outra cozinha
    outros olhos
    outro cabelo
    outros
    pés e dedos.
    todos à procura.
    a busca eterna.
    você fica na cama
    ela se veste para o trabalho
    e você se pergunta o que aconteceu
    à última
    e à outra antes dela…
    é tudo tão confortável —
    esse fazer amor
    esse dormir juntos
    a suave delicadeza…
    após ela sair você se levanta e usa
    o banheiro dela,
    é tudo tão intimidante e estranho.
    você retorna para a cama e
    dorme mais uma hora.
    quando você vai embora é com tristeza
    mas você a verá novamente
    quer funcione, quer não.
    você dirige até a praia e fica sentado
    em seu carro. é meio-dia.
    — outra cama, outras orelhas, outros
    brincos, outras bocas, outros chinelos, outros
    vestidos
    cores, portas, números de telefone.
    você foi, certa vez, suficientemente forte para viver sozinho.
    para um homem beirando os sessenta você deveria ser mais
    sensato.
    você dá a partida no carro e engata a primeira,
    pensando, vou telefonar para janie logo que chegar,
    não a vejo desde sexta-feira.

    um poema de amor

    (Tradução: Jorge Wanderley)
    todas as mulheres
    todos os beijos delas as
    formas variadas como amam e
    falam e carecem.
    suas orelhas elas todas têm
    orelhas e
    gargantas e vestidos
    e sapatos e
    automóveis e ex-
    maridos.
    principalmente
    as mulheres são muito
    quentes elas me lembram a
    torrada amanteigada com a manteiga
    derretida
    nela.
    há uma aparência
    no olho: elas foram
    tomadas, foram
    enganadas. não sei mesmo o que
    fazer por
    elas.
    sou
    um bom cozinheiro, um bom
    ouvinte
    mas nunca aprendi a
    dançar — eu estava ocupado
    com coisas maiores.
    mas gostei das camas variadas
    lá delas
    fumar um cigarro
    olhando pro teto. não fui nocivo nem
    desonesto. só um
    aprendiz.
    sei que todas têm pés e cruzam
    descalças pelo assoalho
    enquanto observo suas tímidas bundas na
    penumbra. sei que gostam de mim algumas até
    me amam
    mas eu amo só umas
    poucas.
    algumas me dão laranjas e pílulas de vitaminas;
    outras falam mansamente da
    infância e pais e
    paisagens; algumas são quase
    malucas mas nenhuma delas é
    desprovida de sentido; algumas amam
    bem, outras nem
    tanto; as melhores no sexo nem sempre
    são as melhores em
    outras coisas; todas têm limites como eu tenho
    limites e nos aprendemos
    rapidamente.
    todas as mulheres todas as
    mulheres todos os
    quartos de dormir
    os tapetes as
    fotos as
    cortinas, tudo mais ou menos
    como uma igreja só
    raramente se ouve
    uma risada.
    essas orelhas esses
    braços esses
    cotovelos esses olhos
    olhando, o afeto e a
    carência me
    sustentaram, me
    sustentaram.

    já morreu

    (Tradução: Pedro Gonzaga)
    sempre quis transar com
    henry miller, ela disse,
    mas quando cheguei lá
    era tarde demais.
    diabos, eu disse, vocês
    sempre chegam tarde demais, garotas.
    hoje já me masturbei
    duas vezes.
    não era esse o problema dele,
    ela disse. a propósito
    como você consegue bater
    tantas?
    é o espaço, eu digo,
    todo o espaço entre
    os poemas e os contos, é
    intolerável.
    você deveria esperar, ela disse,
    você é impaciente.
    o que você pensa de céline?
    perguntei.
    queria transar com ele também.
    já morreu, eu disse.
    já morreu, ela disse.
    importa-se de ouvir uma
    musiquinha? perguntei.
    pode ser legal, ela disse.
    dei-lhe ives.
    era tudo que me restava
    naquela noite.

    Encurralado

    (Tradução: Pedro Gonzaga)
    bem, eles diziam que tudo terminaria
    assim: velho. o talento perdido. tateando às cegas em busca
    da palavra
    ouvindo os passos
    na escuridão, volto-me
    para olhar atrás de mim…
    ainda não, velho cão…
    logo em breve.
    agora
    eles se sentam falando sobre
    mim: “sim, acontece, ele já
    era… é
    triste…”
    “ele nunca teve muito, não é
    mesmo?”
    “bem, não, mas agora…”
    agora
    eles celebram minha derrocada
    em tavernas que há muito já não
    frequento.
    agora
    bebo sozinho
    junto a essa máquina que mal
    funciona
    enquanto as sombras assumem
    formas
    combato retirando-me
    lentamente
    agora
    minha antiga promessa
    definha
    definha
    agora
    acendendo novos cigarros
    servido mais
    bebidas
    tem sido um belo
    combate
    ainda
    é.

    confissão

    (Tradução: Jorge Wanderley)
    esperando pela morte
    como um gato
    que vai pular
    na cama
    sinto muita pena de
    minha mulher
    ela vai ver este
    corpo
    rijo e
    branco
    vai sacudi-lo talvez
    sacudi-lo de novo:
    hank!
    e hank não vai responder
    não é minha morte que me
    preocupa, é minha mulher
    deixada sozinha com este monte
    de coisa
    nenhuma.
    no entanto
    eu quero que ela
    saiba
    que dormir todas as noites
    a seu lado
    e mesmo as
    discussões mais banais
    eram coisas
    realmente esplêndidas
    e as palavras
    difíceis
    que sempre tive medo de
    dizer
    podem agora ser ditas:
    eu te
    amo.