25/06/2011

Desvarios - Lucinda Prado

Sou papel em branco
Tenho que escrever a vida novamente
Vazios... Nada, nem sombras.
Onde fui parar que não me encontro?
Minha alma deve ter ficado dependurada
Na lua, nas estrelas, ou nos galhos do sol.

Caminho sem encontrar a estrada
Mergulho sem encontrar águas
Amo, mas não sei quem é você.
De repente tudo se perdeu
Onde estou?

Da série divagando
Foto: Monsyerrá Batista

24/06/2011

Sugestão de livro - 125 contos - Guy Maupassant(estou lendo e adorando)

Na apresentação dessa coletânea de contos de Guy de Maupassant publicada pela Companhia das Letras, Noemi Mortiz Kon conta que a educação literária do escritor ficou por conta de ninguém mais, ninguém menos do que Gustave Flaubert. A condição para ser aceito como pupilo é que escrevesse sem parar e que não publicasse seus primeiros textos. O resultado desse “treinamento” de Flaubert fica óbvio ao constatarmos o tamanho do livro (mais de 800 páginas) e a qualidade dos contos nele presentes. E se pensar que foram escolhidos (ou seja, outros ficaram de fora), temos aí um autor que realmente levou a sério a tarefa de escrever ininterruptamente.
Os 125 contos presentes na coletânea mostram o que há de melhor na prosa de Guy. Os grandes contos, mais conhecidos do público, como Bola de Sebo e O Horla estão lá, assim como obras geniais do horror, o caso do conto A Morta e Sobre a água. Retratos ácidos da sociedade em que vivia também ganham destaque, sempre com uma conclusão irônica a respeito do que foi contado.
A estrutura das histórias normalmente se repete, sendo que os contos normalmente começam com alguém que relatará algum evento que tenha algo a ver com o que está sendo conversado no início. Apesar da estrutura e dos temas se repetirem, o interessante é que Maupassant consegue tornar cada conto único, e muito bom. A leitura é feita com prazer, prende a atenção e chega a ser quase viciante: mal termina um conto, o leitor já deseja continuar seguindo em frente para o próximo.
A questão do retrato da sociedade também é bem interessante. Para pessoas que tem interesse no século XIX, mais precisamente na França do século XIX, Guy de Maupassant é simplesmente fundamental. O grande mural de personagens que ele cria, mostrando a burguesia de modo cínico, com todos os seus defeitos e mesquinharias é simplesmente genial. Não há maniqueísmo, há apenas a imperfeição humana sendo mostrada através de palavras.
E falar de Maupassant sem tocar na questão do horror é quase um crime. As histórias que ele escreve não deixam nada a desejar a grandes nomes como Edgar Allan Poe. Misturando elementos fantásticos ao cotidiano de uma maneira ímpar, alguns contos ficam um bom tempo na memória após a leitura. Cemitérios, mortos, escuridão. Os elementos se combinam criando um efeito surpreendente, que certamente agradará até quem não é muito fã de histórias de terror.
A seleção de contos de Noemi Moritz Korn é extremamente feliz. 125 Contos de Guy de Maupassant é daqueles livros para deixar na cabeceira da cama e ser degustado, página à página, tal e qual aquele chocolate caro e delicioso que você não deseja que acabe tão cedo. É um daqueles casos em que você vê o tamanho do livro e fica feliz por saber que tem muito, muito daquele autor ali para aproveitar.

Fonte:
blog:http://blog.meiapalavra.com.br/?s=125+contos

21/06/2011

Eretismo - Lucinda Prado

A alma se fez candente
Em inquietações desconcertantes
Impelindo pensamentos devassos
Contra um corpo arquejante.

Rapidamente no cérebro estanca
No afã de ideias insanas
Um feixe de luz alavanca
Loucos instintos, chispantes.

Corpo e alma na forja ardente
Rija a boca... contorce o dorso
Na suprema convulsão delirante
Esmaga a pele, range os dentes.

Do corpo emanam faíscas instigantes
Encontra raio, espasmos e gritos
Rotação lenta entre corpo e alma
Corpo e alma lentamente descansam.

16/06/2011

Aquela mulher – Lucinda Prado


Quem será aquela mulher
Tão misteriosa...
Escondida por trás de tantos panos?
Seu rosto não se vê,
Apenas um fantoche ambulante

Vive sozinha, isolada do mundo,
Numa triste espera de morte - talvez!
Saberia a razão de tal desventura?
Ou apenas se revolta
Sem saber por que tamanho infortúnio.

Ouvimos apenas sua voz, ainda, doce.
A ditar as regras de nossa rara presença
Sua vergonha a faz voltar para seu mundo de solidão.
Por detrás de sua mascara, se protege.
Cuidados, embaraços... Medos.

A rapidez dos acontecimentos
Nos tira o entendimento preciso
Mil perguntas sem respostas
Dúvidas cruéis...
Ir... Voltar.

Minhas angustias se misturam as suas
Posso até ouvi-la orando
Sentir suas amarguras
Perceber o que te acalenta nas insônias...
São suas orações, fé inabalável
O mal de Lázaro não a afastou de Deus
Apenas mutilou seu corpo.

******
Foto: Lucinda Prado – Casa onde encontramos esta mulher.
Ela vive em um lugar no Vale do Jequitinhonha/MG

11/06/2011

Amor inteiro – Lucinda Prado e Carlinhos Motta


Quero o prazer de te amar
E continuar a te amar

Tantas vezes te peço doce amada
Resida em meu coração, em minha alma.
Mas não faça deles seu escravo
Ama-me também por inteiro

Quero o prazer de seu toque sutil
Seu cheiro de gata no cio
Sua voz a me encantar
Mas quero amor livre, sem precisão.

Este é meu ideal de amor
Se assim me quiseres
Venha para os meus braços,
Deixe-me te amar, te desejar.
Querer-te por inteiro
Não quero só teu corpo
Somente assim te amarei

Preciso imaginar
Se vou te reconhecer
Quando o dia raiar

foto: Quadro de Picasso -Herege

08/06/2011

ANTICONTO MITOLÓGICO – Lucinda Prado


Sempre senti pavor de fim de mundo e toda cena de tempestade em alto-mar me faz lembrar um quadro de Nossa Senhora da Guia, que existia pendurado entre outros tantos, no quarto de minha mãe. Na minha infância, eu adorava ficar olhando para cada um deles e me deleitava ouvindo as histórias de todos os santos... Quantos martírios, quantas histórias de sofrimento! Minha imaginação de criança dava piruetas olhando as cenas, pintadas com certos exageros, naquelas gravuras, certamente para quê os Santos fossem valorizados.

“Será que para ser Santo tem que sofrer assim”? – Eu me perguntava, rebelde.
“Se não pode existir Santo sem lamento... Quero ser santo nunca” – afirmava.

O Quadro era assim, digamos o 3x4 de quadro, entende? Pois bem - era o mar revolto - parecido com o fim do mundo, e três pescadores em um barquinho. As ondas muito agitadas pela tempestade empurravam o barco cada vez mais para o alto- mar. Não se via uma luz sequer, pois estrelas e luas fugiram amedrontadas com o rosnar de Tupã - o deus trovão. As estrelas foram à procura de Thor, pois ele possuía um martelo chamado Mjolnir e este martelo tinha o poder de lançar os raios para algures. Mas Posêidon, o Deus do mar, estava em fúria porque seu pai, Cronos, havia traído sua mãe Réia e se enfeitiçado por Atenas. Anfitrite, a esposa de Posêidon, estava grávida de Tristão, o deus dos abismos oceânicos, e andava tendo uma gravidez de risco, não poderia sofrer qualquer tipo de aborrecimento. A Lua que havia marcado um encontro com o deus sol para o dia seguinte, jurava que iria se queixar para seu fogoso namorado sobre as atitudes inconsequentes de Posêidon.

Enquanto os deuses se entendiam, os três pescadores, que por acaso se chamavam Dorival, Caymmi e Maracangalha, eram simples pescadores lá para os lados da Bahia, cada vez mais viam suas vidas em perigo... Rezavam e apelavam para todos aqueles santos vizinhos de parede do quarto - São Sebastião com suas lanças cravadas por todo o corpo, São Benedito protegendo os negros contra brancos, São Pedro pendurado de cabeça para baixo em um poste, os anjinhos, Nossas Senhoras de todos os nomes, Maria, Abadia, Do Carmo, Nazaré, Aparecida... Enfim todas elas em seus quadros 3x4 observavam os acontecimentos. Foi quando um Querubim arretado, saiu de seu quadro 3x4 entrou sorrateiro no quadro dos pescadores e soprou ao ouvido de Caymmi que a Santa que poderia- lhes salvar era Ninfa, deusa da natureza, e que se sabia ter tido um caso com Hércules, o mais poderoso dos deuses, quando ela era pouco mais que adolescente e que Hércules ainda apaixonado por ela, fazia todas as suas vontades. Mas o Cúpido ouvindo aquilo correu em socorro aos pescadores e avisou que ela só atenderia pelo nome Nossa Senhora da Guia. Foi quando uma onda enorme levantou o barquinho em sua crista e, assim na crista da onda, Dorival e Caymmi deu um grito de desespero:
“Nossa Senhora da Guia!”
Nesse momento o céu se rasgou em dois e do meio surge Ela, linda, serena e majestosa, ordena para que os deuses parem de brigar e dá-lhes uma bronca, recoloca cada um no seu quadro. O mar se acalma. A lua, com suas hormonas em ebulição, corre para se despedir do sol, lança um olhar comprido para seu amado que vai caminhando e brigando com as nuvens por elas tentarem impedir que ele brilhe e as acusam de ter um pacto com o deus da noite que fica sempre de conversa com sua amada lua.
As estrelas voltaram sorrindo desconfiadas, com olhares faiscantes de quem andou fazendo amor nas alturas.
Dorival, Caymmi e Maracangalha acordam em suas camas ouvindo o deus da música cantar assim:

*O pescador tem dois amor
Um bem na terra, um bem no mar
O bem de terra é aquela que fica
Na beira da praia quando a gente sai...
O bem de terra é aquela que chora
Mas faz que não chora quando a gente sai
O bem do mar é o mar, é o mar
Que carrega com a gente.
Pra gente pescar

* O Bem do Mar – Dorival Caymmi


Foto:Lucinda Prado - O quadro que inspirou o conto.

07/06/2011

Maria e José -Lucinda Prado & Monsyerrá Batista

Era Maria
Sonhos e fantasias de menina
Trazia a coralina...
Maria vinha de cora
Vinha pura, vinha limpa
Maria corria, Maria dançava.
Maria cantava e sorria
Maria era Livre

Era José
Que chegou
Lá das bandas dos Campos Elíseos
Veio no seu cavalo alado
Trazendo as mãos cheias
De estórias de lutas
Castelos, bruxas, donzelas
Dragões e espadas heroicas
José amava a justiça
E a liberdade

Agora
Era Maria
Era José
Era José e Maria
O novelo e a agulha
Que em sua dança
Rodopiava, tecendo a trama
Que o coração
Conhece e fia

José não era mais cavaleiro
Era um anjo da conquista
Era no céu risonho da bela
Heroico mito de Heitor
A luz do sol e da fantasia
Cantado em versos, prosas
Contos e poesias
Era o ar que ela respirava
Era Maria apaixonada
Era José oitava maravilha
Agora era tudo diferente
O mundo inteiro para dois amantes
Frenéticos e apaixonados
Todos encantos de amor e prazer
Selaram pactos, trocaram juras
Românticos castelos visitaram
José acomodou das aventuras
Pra dedicar-se inteiro ao amor

Não mais lutava, com dragões e bruxas
Cantava loas, declamava versos
Toda lua cheia era para Maria
Mas chegou um dia José se calou
Suspirou um tanto entediado
Não fazia mais versos, nem cantava
Seu olhar perdeu-se no vazio
E Maria agora já não empolgava
Viu-se reclamada companhia.
Maria observava, Maria pedia
Se chorava ninguém sabia
Maria sentia, Maria sofria
Não via mais nele a mesma alegria
Tudo ao redor era cinza rotina
E Maria pediu
E Maria rezou
E Maria entendeu o que o acometia

Lá se foi José no seu cavalo alado
Levou sua Maria só no coração
Vestiu a armadura de lutas de outrora
Pra outras aventuras, pra outras dimensões
Lá ficou Maria junto do castelo
A se olharem de longe nas dobras da lua
Com longos bordados
Feitos de renuncia
Feitos de ternura, amor e devoção

Depois da partida veio a tempestade
Depois a bonança em seu coração
Maria acordou certo dia
Surpresa, voltara a sonhar
José também, e voltou a lutar

Maria sentia-se novamente amada
José percebia que ela
Era sua força para vencer
E nas noites de lua, vem vindo José
Aninhar-se no leito de sua Maria
Agora o castelo só sabe dizer
Maria José
José Maria.

**Versão da obra original de Lucinda Prado feita por Monsyerrá Batista