![]() |
Luciane Lopes |
O AR DA TUA GRAÇA*
Uma palavra no colo,
um ombro no papel.
Um céu derramando
remédio.
Um tédio na vidraça,
que logo passa com o
ar da tua graça.
Um não querer que deseja.
Um verso que boceja teu sono,
de poeta.
O que alivia, é pensante.
O que desarruma, é pulsante.
Fazer o quê?
Se a palavra pula da boca
e ainda sonolenta, rouca e
insensata alimenta-se do
ar, da tua graça..
by Luciane Lopes*
Virgílio Siqueira
Desvão
Invento silêncios
E quero ser ouvido
Ando mesmo a esmo
Nunca por estar perdido
Sinto esquisitas saudades
De amores que eu nunca tive
Do não acontecido
Nunca vivido
Do que nunca me viera
De algo que nunca existira
E nem por mim fora concebido
Do que nunca me chegara
Nem de mim nunca partira
Não sinto medo
Da aventura de partir
Nem temo não ter pra onde ir
Temo é não ter pra onde
Nem porque voltar
Pra novamente me reinventar
E novamente me reconstruir
Nada ser nem nunca ter sido
De tudo me esquecer
Ser esquecido
Fugir, e na fuga me perder
Por desencantos, deixar de viver
Ou sentir-me frio no que seria aquecido
Nada sentir
Nada ter a perder
Por nada nunca ter tido
****
Acredito em anjos
Sim, eu acredito em anjos
Não naqueles que voam
Envoltos em nuvens
Alheios à vida e aos anseios do mundo
Acredito em anjos que têm pés ariscos
Que avançam
E olhos incisivos e despertos
Que enxergam do mínimo ao imenso
Que discernem ínfimas partículas na escuridão
Que têm mãos afeitas ao afago
E à definição da escolha e da colheita
Acredito em anjos que luzem
E arrebentam estruturas sombrias
Que se pronunciam em gestos
Sem mover os lábios
Com braços que nunca se afastam
Mesmo quando distantes
Que sorriem quando o parceiro vence
Que sofrem e lamentam derrotas
Sem deixarem-se vencidos
Acredito em anjos que acolhem miragens
E as acalentam com olhos ternos
E atitudes de fogo
Acredito em anjos que semeiam luz
E somem, deixando rastros
Imersos no lume
Virgílio Siqueira
Meus inexistentes mundos
Sorvi sois
Comi espinhos
Em chão rochoso finquei estacas
Sem chibancas, arranquei toco com as unhas
Semeei ventos
E nem tempestades colhi
Andei por caminhos que os meus próprios pés tracejaram
Na direção do nada, pra lugar nenhum
Sem a nada me ater
Sem nunca me encontrar nem nunca me perder
Contemplei luas, mirei estrelas
E todas eram minhas; por não serem de ninguém
Por divagante, perdi alguns cometas
E reacendi-me em lumes de astros cadentes
Desenhei, com indefinidos traços, indefiníveis criaturas
Minhas figuras mais concretas
Foram as que esculpi em nuvens
Concepções voláteis que se dispersaram em segundos
Meus mais claros mundos
São os que ainda hoje inexistem
(Mas que nunca somem de dentro de mim)
Não me atraí por nada que se possa ostentar
Nem tenho conquista da qual possa me gabar
E mesmo assim, ainda acho que valeu a pena
Ouvi cantar os passarinhos do sertão
E tomei banho de chuva
Virgílio Siqueira
Escaladas - Davi Siqueira & Laércio Lima
****
Araujo Marco
De descendência ibérica, nasceu e criou-se à margem de muitas águas, o Oceano Atlântico, a Lagoa dos Patos, o Saco da Mangueira, a natureza exuberante e a simplicidade de seus pescadores, isto, em contraste à poesia densa das noites e das ruas do porto de Rio Grande, sua cidade natal. Pesquisador incansável, Marco é um dos responsáveis pela recuperação e divulgação da cultura afro-açoriana em seu país aqui documentado em canções como MAR DE DENTRO, ARAMBARÉ e OLARAI DO BENEDITO. Com uma linguagem clara e um lirismo mais do que peculiar, o compositor, cantor, poeta e instrumentista MARCO ARAUJO encerra, neste trabalho, sua vitoriosa trajetória nos festivais de música do sul do Brasil, uma mostra significativa do que viveu, aprendeu e desenvolveu durante a constante busca de uma expressão sonora universal.
Quebranto de Poeta Triste
Mirava o tempo através da alma
Que embaçada pelo pranto
Era recanto da lembrança infinda
Quebranto de poeta triste
Mirava a rua pela porta fria
Que escancarada se debatia
Nos braços da tempestade
Que sufocava noite e poesia
E assim brotavam as palavras
Livres de qualquer corrente
Presentes, vivas e dementes
E assim brotavam rimas
Reticentes, duras, complacentes
Bêbadas, dissonantes, dissidentes
*****
Pandorga, parceria Marco Araujo com Chico Mattos, que fará parte do seu DVD
"Vivendo mais em nós"
****
Estrelas Caídas
Marco Araujo / Luciane Lopes
Deitei meus olhos
sem me esconder
Na cor tamanha
de amanhecer
Fechei-me em portas
sem perceber
A dor estranha de
anoitecer
Zombei das luzes
frias de paz
Ruas sem rostos
Na tarde lilás
Troquei-me em rondas
sem me notar
Contando as horas de me
Lembrar
Que o amor rebanha
Estrelas caídas
Das noites zonzas
perdidas sem par
Que perdem-se prontas
nos olhos meus
azuis... tantas contas
dos mares teus
****