Escritos de Lucinda Prado

De Lá pra Cá – (Lucinda Prado)

Transborda de dentro de mim
Palavras, frases, versos inteiros.
Que borbulham eloquentemente
E os vomito no papel em branco.

Na página virgem, rabisco um risco
Arrisco um grito, um gemido de peito,
São letras transformando palavras
São palavras recompondo versos

Nua com meus poemas
Vou rabiscando amor, flor e dor
Enxugando lagrimas, abrindo risos
Acordes que ainda não são canções.

Vai surgindo cores, odores, sangue?
São tantas estrelas, luas e apenas um sol
É um sorriso, um acorde, uma melodia.


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MINHA SENHORA - Lucinda Prado(sendo musicado

La fora apenas o barulho da chuva
Agua derramada aos cântaros
A terra exala cheiro de luz
Nem os pássaros se arriscam um voar
Terra molhada, fecunda.
Como fecundo foi teu ventre um dia
Mas hoje teu ventre é seco
Já não aconchega mais seus filhos
Mas seu colo continua macio,
Mesmo sendo em outras dimensões
Acolhedor, disponível ...sempre
Sempre pronto a agasalhar.
Um dia você também foi criança
Foi adolescente sonhadora
Amou e foi amada
Já no amadurecimento da vida
Você foi avó de seus netos e bisnetos
Incompreendida nos seus sonhos
Carente de amor verdadeiro
Oscilou entre o certo e o errado
Já não tinha forças para a labuta
Apenas tecia seus panos e tapetes
Mas agora você se foi...e eu me peguei
Assim saudosa e agradecida.

Da série Divagando

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Espelho de uma vida - Lucinda Prado

Você foi criança um dia
Brincou de rolar na capim melão
Molhou  biscoito em café com leite
Jogou bola pelos campos Elíseos


Ouviu rolinha te chamar no amanhecer

Amou sua mãe e seu pai que se foram

Foi pai ainda criança, de teus irmãos.
Calos criaram em suas pequenas mãos
Do cabo da enxada arrancou seu pão



Foi adolescente sonhador, trovador e seresteiro.

Sonhou em ser doutor, cantor, jogador de futebol.

Uma partida e um rio interromperam seus sonhos
Abandonou a bola, mas não a viola.



De adolescente corredor

Passou a um adulto claudico

bonito, faceiro e falante
Entre margaridas e paineira



Plantou árvores, Rosas e cravos.

Correu estradas e cidades afora

Encontrou a flor de seu caminho
Encantou-se e a colheu nos braços



Recomeço, tempos de luta e renúncias

Um olho nos filhos, outro no trabalho 

Sabia que de todas as fomes 
Alimentar a mente com a luz da cultura 
Era a prioridade fundamental



Mesmo sem nenhum homem para te ajudar

Foi abnegado tutor e fiel companheiro

Seguindo sua toada obstinadamente
Com a fé devota e a esperança acesa



Amadureceu na dureza da lida

Não perdeu a direção e nem a ternura

Madrugadas a fio, dores rasgando seus passos
“Comida na mesa nunca há de faltar” 



Um livro, uma revista, um conto ou uma história

Convidava ao convívio e a curiosidade.

Contava prosas e versos
Ninava aqui, ninava ali, despertando sonhos



Na natureza o respeito a nos mostrar

Cada verde, cada fruta a amadurar.

Pássaro cativo nunca foi seu feitio
Mostrava o céu, as estrelas e o luar.



Os anos foram passando, cobrindo seu cabelo de sereno

Arranhando seu rosto, mas não sua alma

No seu corpo um leve encurvar
No seu olhar, a eterna dignidade do homem



Na madureza de seus dias nos brindou com seus escritos

Nos fez vitoriosas, dignas de um futuro melhor.

Ofertou seu gênio artesão e criativo
Aos netos, bisnetos e todos mais



Segue conosco, pleno em tudo que faz

Nosso esteio de experiências, sabedoria e virtudes

Espelho onde todos se miram e inspiram
Onde hoje, os papeis teimam em se inverter
Mas a dignidade o faz seguir soberano



Nosso amor se amontoa em cuidados 

Desvelos femininos que não conhecem limites

Cobrindo e às vezes sufocando uma fragilidade
Que soube tão bem nos proteger e preparar



Mas algumas coisas ainda não aprendemos

Como falar de amor sem chamar seu nome

Como contar os dias sem contar você
Como demonstrar nosso amor e nossa gratidão
Se não pela sua companhia de Pai Herói




Da sua família, que te ama acima de tudo

Como Pai, como homem e como eterno companheiro. 



Lucinda Prado (adaptação de Monsyerrá Batista)
Dedicado ao meu pai  - Floriano Genesio(foto)

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Conversando com Clarice - Lucinda Prado


Clarice, você confessou ter escondido um amor,
Eu confesso ter perdido um amor por tê-lo escondido.
Já senti um amor escorrer por entre os dedos e não tive a percepção de fecha-los, impedindo que ele se fosse. Depois lamentei a perda, mas já era tarde para resgata-lo... Havia encontrado mãos que o acolheram... Sem medo... Sem barreiras.
Já vivi amores que me deixaram muito, muito feliz.
Já vivi amores que me trouxeram dores agudas,
Já vivi Madrugadas de insônia e dores tão profundas rasgando por dentro.
Já vivi amores que me fizeram tão inspirada, que belos versos brotaram.
Já escrevi versos de amores, tão delicados, que lágrimas de emoção borraram meus originais.
Já sonhei com amores eternos e já os vivi eterno em momentos inesquecíveis.
Já chorei, gargalhei, tive orgasmos de luz, mirando os olhos do amado.
Já tive um pouco de todos os amores.
Mas o que fazer Clarice! Eu também ainda não aprendi amar pela metade.

Foto: De Lucinda Prado(pelos caminhos de Ibitipoca)


Eretismo – Lucinda Prado
A alma se fez candente
Em inquietações desconcertantes
Impelindo pensamentos devassos
Contra um corpo arquejante!

Rapidamente no cérebro estanca
No afã de ideias insanas
Um feixe de luz alavanca
Loucos instintos, chispantes!

Corpo e alma na forja ardente
Rija a boca... Contorce o dorso
Na suprema convulsão delirante
Esmaga a pele, range os dentes!

Do corpo emanam faíscas instigantes
Encontram raios, espasmos, gritos
Rotação lenta entre corpo e alma

Corpo e alma lentamente descansam!



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O Tempo Pede Desculpas – Lucinda Prado


Hoje regressei a antiga casa de minha infância
Perco-me parada aos pés da porta de entrada
Uma força estranha abala-me a alma,inquieta
Duvida cruel entre o ir e vir - a saudade é vencedora.

Meus pés se movem na lentidão dos degraus
Que me conduzem a antessala de minhas lembranças
Revejo-me pequenina e sorridente, quase feliz!
Ouço meus risos ecoando pelas paredes nuas.

Da janela da alma, me aproximo vagarosamente
Olhando pelos espaços de minha morada,
 Sem, no entanto ver claramente quão profunda é!
A mesma paisagem colorida, agora pertence ao tempo
A se perder entre brumas de estradas indistintas.

Perdi-me dentro de mim, atropelei caminhos e ruas
Escorreguei em pedras de minhas memórias, quase vazia.
Agonizo na escuridão de um cenário seco,
Semimorto, flutuante que se evapora ao vento
Vago pelas ruas turvas de minha velhice,
Onde fui parar que não me encontro?

(dedicado a uma senhorinha chamada Violeta)



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**Porta-retratos – Lucinda Prado
Amaria teus abraços
No lugar do porta-retratos
Que nunca tem teu perfume.
Passeiam em mim teus toques
Das manhãs que passeávamos de mãos dadas
Ressoa em mim, tuas rimas bem feitas
Roça em mim, teu corpo quente
Teu cantar sem jeito
Seus versos espremidos
Em meu ouvido
Comprimidos...
Meu gemido sem dor
Aprontando um verso de nós dois
No convexo de corpos
Num abraço noturno
De um misturar de sonhos
Dos corpos colados
Suados...
No beijo selado
Do porta-retratos.
(Da série divagando)


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Insight poético – Lucinda Prado  
Tu és como o vento
Que me chama lá fora,
Vez ou outra...
Adentra minha casa.

Nas minhas noites vazias
Procuro-te lá fora,
Na escuridão da noite
Ouço tua voz a cantar.

São baladas sonoras
De um coração a me chamar:
Venha para a noite,
Pois q te embalar.

E melhor que venhas hoje,
Sabes que minhas noites são de poesias,
 E minha vida encantada
Nas rimas dos versos,
Se me escutas, sabes que tua alma
Vive em meus poemas
Mas em cada amanhecer
Despede-se num adeus.

Sua casa é meu corpo,
Minha boca sua morada,
Venha sorver a água da vida
E transmutar seus desejos,
Enche-me com seus fluidos
De odores adocicados,
Já não sei se vives em mim
Ou se vivo por você,
Meu doce companheiro
De noites mal dormidas.

Se me faltas, sou vela perdida.
Se me atropelas a alma
De versos e prosas,
Me domas como meu dono.
Nas rimas puras de meus versos
Imprimo suas palavras
Sopradas ao relento,
São minhas líricas secretas
De seus cantos cedidos.

Tu és como o vento
Que me chama lá fora.

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E disse adeus a todos os elos enlaçados
despediu-se de sonhos multifacetados
expurgou vícios já banguelas
vestiu-se de lucidez e foi rasgando

Ventres podres de rotinas adquiridas
paixões carnais de gostos rançosos
que gemendo foram ficando atados
num canto do corpo, embaçando o tempo

Entre pedradas e cortes foi decepando
cabeças zodiacais de astros falidos
se foi gemendo, cortando, aparando
rompendo diques de amor frustrado

Seguiu chorando pela dor do corte
profundo talhe de batalhas internas
vasou artérias, derramou o lodo
e gemendo partiu sonhando.



 Foto: Portal de Monte Verde - MG

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Delírios   -   Lucinda Prado


Hoje vejo rostos vincados pelo tempo
Vejo velhos de sonhos não realizados
Nossos brinquedos inventados jogados no esquecimento do porão
Os amigos se foram para o estrangeiro ou se encontram esquecidos
Em algum canto de suas próprias mentes.
Na retina do tempo afago minhas lembranças
Das casas brancas desenhadas a giz
Portas azuis de anil e calçadas de pedras

Era uma época de muitas colheitas
Colhíamos saber brincando nas ruas
Nos assustávamos com raios e trovões
Olhávamos da janela azul a goteira cavando o solo
Descobríamos uma flor cultivada pelo orvalho
Tomávamos agua da bica com medo de sacis
Andávamos  na enxurrada correndo de lobisomens
Riamos as gargalhadas sem medo de envelhecer.

Não tínhamos essas mãos trêmulas
Nem esse olhar sem brilho, sem esperança
Tínhamos um mundo a nossa frente
Éramos destemidos e arrogantes com o amanhã
Pensávamos que o futuro não estava ao nosso alcance
Mas ele nos alcançou no meio do caminho
E com ele seguimos galopantes.
(Da série - Divagando )


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