21/11/2011

Padeirinho Matutino



Abri os olhos preguiçosos... Lentamente fui Tomando pé de tudo... Onde estava... Quem era e tal. De repente, me dei conta; o barulho que me havia acordado, eram os gritos do leiteiro à nossa porta. Corri para expiar pela janela. Seu Juca havia deixado o leite sob a soleira da casa e já seguia trotando com seu cavalo pedrês, atrelado a uma carroça velha, com suas pinturas de flores vermelhas descascadas, semicorroída pelo tempo. Pasmei-me ali... Quieta, amoitada, como uma raposa espreitando sua caça. Apenas uma greta da janela me permitia vigiar a rua, na certeza que ele viria... Meu coração disparou, suei frio, uma dor na boca do estômago gritou como se fosse fome, sem ser. Era o sinal... Ele havia apontado lá na esquina.


Eu o achava tão lindo, tão másculo... tão ...tão – hoje sei que nem era lindo, nem másculo e nem tão... tão...


Vinha ele, quase deslizando pela rua sem asfalto, de cascalho grosso, muitas vezes escorregadio, equilibrando no ombro direito, um cesto com pães. Quando passava em frente de minha janela todas as estrelas do céu vinha me saudar. Era o sonho realizado do dia, fadinhas pareciam saltitar ao meu redor. E saía rodopiando feliz nos primeiros encantamentos de uma paixão adolescente. Minhas hormonas totalmente abolitivas me fazendo imaginar as cenas mais ”Carrareanas” do mundo.


Todas as manhãs, tudo se repetia – me acordava com os gritos de Juca, o leiteiro, corria para a janela a espiar pela brecha... Sonhos e fantasias povoavam meu imaginário o resto do dia. Julgava meu segredo, totalmente seguro e totalmente meu. Assim, os dias foram passando molemente, chegou uma noite em que fui ao aniversário de Ritinha, minha amiga ali da vizinhança, quando estou lá no “dança - dança, fala- fala”, meus olhos foram atraídos por uma figura que estava chegando junto com o Lúcio, irmão mais velho de Ritinha. Pernas tremeram, joelhos chocalharam, boca secou, língua calou. Era ele, nem seu nome eu sabia - era ele, meu padeirinho matutino - que aflição, que vontade evaporar no ar. Pedia a Deus que um redemoinho desses que traz dentro um capetinha – passasse por ali e me levasse para as alturas das montanhas, para o Japão que fosse, mas me tirasse dali.


Seus olhos descobriram-me ali no canto de pavor, e, mais aparvalhada fiquei quando ele veio em minha direção, com andar certeiro, que era pra não deixar dúvida que era o homem do pedaço – na verdade apenas um pouco mais adolescente que eu – Ele chegou seguro, acautelado, lento, olhar fixo em meus olhos, gestos precisos, estendeu a mão e me tirou para dançar. A minha sorte foi que naqueles dias, estava em moda dançar solto, separado, eu não conseguia atinar nem com o ritmo que tocava naquele momento, fiquei meio que bestiada, olhando para ele, encantada, muda, tensa. De repente comecei a ouvir lá longe a voz de Tim Maia cantando - **não quero dinheiro, quero amor sincero... A semana inteira. Só quero amar, só quero amar - Começamos a dançar e dançamos juntos por mais ou menos um ano. Ele foi meu primeiro namorado, meu primeiro beijo na boca, minha primeira paixão.


Assim como os amores adolescentes passam, ele passou.



Assim como os amores adolescentes passam, ele passou.



Outros amores, outros beijos ...







Série Memórias - A Menina Que Procurava



Gravura - Reprodução da obra de Salvador Dalí - Cesta de pão



* carrareanas - relativo a Adelaide Carraro



** música de Tim Maia - Não Quero Dinheiro