29/12/2010

Maria Grampinho





Maria


Maria. Das muitas que rolam pelo mundo.
Maria pobre. Não tem casa nem morada.
Vive como quer.
Tem seus mundos e suas vaidades. Suas trouxas e seus botões.
Seus haveres. Trouxa de pano na cabeça.
Pedaços, sobras, retalhada.
Centenas de botões, desusados, coloridos, madre – pérola, louça,
Vidro, plástico, variados, pregados em tiras pendentes.
Enfeitando. Mostruário.
Tem mais, uns caídos, bambinelas, enfeites, argolas, coisas dela.
Seus figurinos, figurações, arte decorativa,
criação, inventos de Maria.
Maria Grampinho, diz a gente da cidade.
Maria sete saias, diz a gente impiedosa da cidade.
Maria. Companheira certa e compulsada.
Inquilina da casa velha da ponte.

Trecho de poesia retirado do livro “Vintém de Cobre: meias confissões de aninha” da Global Editora e Distribuidora Ltda.

12/12/2010

Desmantelo de Amor - Lucinda Prado & Monsyerrá Batista

Uma dor pungente trespassou meu coração
Dor aguda, de talhe fundo...
De um rubro assustador.
Cor de gorro de saci,
Dor de quem ama.

Perdi o chão... desfaleci
Um grito abissal ecoa de minha boca
Qual seta certeira no flanco atingido,
Tiro trassante que rasga a carne,
Perdi o rumo, o prumo, rosnei, ensandeci
Chorei seco como choram os guerreiros

No silencio uma voz!
-Acorda! Levanta guerreira!
Era minha alma acenando sua bandeira
Centelha de vida, sentença de morte.
Prova de fogo, desmantelo de amor.

Tristeza, angustia, agonia
Espreitou-me calada, muda, tensa.
Aos poucos o lençol do dia me aconchega,
Lentamente inaugura em meus olhos
Uma dor colorida de aquarela crua

Tapo a Ferida aberta
Soluços mostrando as garras
Tragando a dor, cerrando o punho, juntando as forças.

Tento montar novamente o galope da vida,
Tal como cedro, me arrasto para o dia,
Quase despenco, abismo, desencanto
Lá vou eu agora, recompondo o espelho.
Respiro, choro, suspiro, amanheço.
Feito arvore trabalhando a seiva.

Invento poemas
Faço um mundo novo
Lá vou eu novamente
Mundo, mundo, mundo.

Lucinda Prado e Monsyerrá Batista

A Menina Que Procurava - Lucinda Prado

A menina que procurava
E lá estava ela feliz e serelepe correndo para o seu lugar preferido, o coche do curral. Certificando que estava sozinha, entra e se deita dentro do tabuleiro com rebordas, este lugar normalmente é usado para colocar sal para o gado, mas ela descobriu que era perfeito para acomodar seu corpinho magro de menina de cinco anos. Ali naquele momento ela se perdia no seu passatempo preferido, ficar olhando para as nuvens tentando associar suas formações com alguns objetos ou animais. Mas ela também se descobria melancólica e saudadosa, na maioria das vezes que procurava seu esconderijo. Ficava horas mirando o céu como se procurasse alguém por detrás daquelas nuvens, que o vento teimava em conduzir com se fossem tufos de algodão acabado de sair das cardas e, nessas horas, uma saudade quase incontrolável tomava conta de seus sentimentos ainda pueris. Choramingando, ela procurava pelo colo de sua mãezinha em busca de consolo para sua dor, da qual, ela sequer suspeitava de onde vinha. Eram uma preocupação familiar, essas crises. Sua avó, sempre achava que a Dona Chiquita poderia dar um jeitinho fazendo algumas orações e benzendo a menininha com um ramo de alecrim. Sua mãe dizia que não era para ela voltar nunca mais a aquele lugar, mas ela sempre retornava e sempre a mesma saudade que lhe invadia a alma sonhadora.
Tempos depois, a família se muda para a cidade para que os filhos fossem para uma escola regular. O Pai, um autodidata, fazia questão de deixar como herança para as filhas, o estudo. Dizia que assim elas teriam uma profissão e jamais necessitariam de um marido para ser feliz.
Lá se foi nossa menininha para a cidade, e longe do cocho como seria? Mas era nato nela essa precisão de ouvir o silêncio interior. Então ela improvisou um lugar, fez as adaptações necessárias juntando duas cadeiras, que ela colocava estrategicamente bem no meio do quintal, onde nada pudesse impedir sua visão quase celestial. Já nesse período ela começava a ter a percepção de que buscava alguém, mas quem? Ela não sabia a resposta para essa pergunta que guardava trancada dentro de seu coraçãozinho. O tempo foi passando, ela se tornou adolescente, e depois, adulta. Mesmo antes dessa fase, ela se casou teve filhos e logo em seguida se divorciou. Viveu alegrias e tristezas naturais da vida, mas conquistou muitas coisas boas. Viveu muitos amores, uns mais calorosos e outros nem tanto, mas jamais se esqueceu daquela busca que a perseguia desde criança. Nessa fase, entendia que teria a resposta para esta procura.
Um dia ela teve a resposta tão esperada, bastando que ele a olhasse e a deixasse espreitar bem no fundo de seus olhos, para que ela pudesse ter plena confiança de ter encontrado o que buscava por detrás das nuvens.
Lucinda Prado

Aquela Mulher - Lucinda Prado

Aquela mulher

Quem era aquela mulher! Tão misteriosa
Escondida por trás de tantos panos
Seu rosto não se via
Apenas um fantoche ambulante.

De onde ela veio?
Qual seria sua história?
Vive sozinha, isolada do mundo.
Numa triste espera de morte, talvez.

Teria esperanças inconfessas?
Saberia a razão de tal infortúnio
Ou apenas se revolta
Sem saber por que tamanha desdita.

Teria ela amado,
Teria sido amada?
E sua fé no criador? Teria sido abalada pelo infortúnio?
Quem é esta mulher?

Ela não mostra o rosto
Ouvimos apenas sua voz, ainda, doce
A ditar as regras de nossa rara presença.
Sua vergonha a faz voltar para seu mundo de solidão.

Que triste impressão tu nos causaste!
Será meu Deus que o tempo voltou e
Ainda hoje encontramos tais cenas!
Parecidas tiradas das páginas de um romance romano!

Que mulher é esta,
Vento me responda?
Porque ela esconde o rosto?
Porque suas vestes lhe cobre todo o corpo?

Custamo-nos a acreditar no que nossos sentidos percebem
Que dor aguda me tomou o peito,
Uma vontade inquieta de retornar,
Sentar ao seu lado e embala-la nos braços.

Ouvir sua voz contando de sua dor,
De suas angústias e de sua solidão,
De seus sonhos perdidos
De teus sonhos não sonhados.

Você tem filhos?
Você teu amigos?
Não?
Ah! Só tem o Mestre?

É ele quem embala seus sonhos,
E te acalenta nas longas noites de insônias?
Posso ouvi-la orando,
O mal de Lázaro não a afastou de Deus.
Apenas mutilou seu corpo.

Beijo-flor - Adalton Miguel e Lucinda Prado


Beija Flor,
Linda, leve e solta
(Modinha para alguém especial)

Letra - Lucinda Prado e Adalton Miguel
Música - Adalton Miguel

Você chegou à minha vida
Linda, leve e solta.
Sorrateira e precisa
Remexeu minhas gavetas
Resgatou meus versos tortos
Escancarou meu armário
Conectou meu eu desconexo
Aprofundou meu cantar
Harmonizou meu violão
Beijou meus lábios tortos
Me amou com alegria
Arredondou minha vida
E partiu linda, leve e solta

Eu queria
Ser um passarinho
E passar todos os dias
Voando à volta do seu ninho

Eu queria
Ser um Beija-Flor
E passar todos os dias
Bebendo o mel do seu amor

E voava todo o dia
Prá beijar a flor mais linda
Era o sonho que queria
Sonho de vida infinda
Foi o sonho que encontrei
E que nunca mais deixei.

Como num conto de fadas
De relações impossíveis
A princesa respondeu
Sob o olhar da Lua

Vem comigo, estou livre
Vem que serei sempre sua

Você chegou a minha vida
Linda, leve e solta...

Sua Mágica Presença - Lucinda Prado

Senti teu cheiro
Embaraçando com cedro e mato,
Vi você no pôr do sol e no brotar da lua,
Como um mantra, seu canto se misturou aos dos pássaros.

Provei teu sal
Lambi você
Embriaguei-me de você
Lambuzei-me no teu sexo.

Ouvi sua música,
Ouvi sua historia,
Ouvi seu choro e risos...
Comi da tua comida e me embalei da tua vida.

Dormi em teus braços
Provei teu sal
Toquei seu corpo
Gemi em você.

Escrevemos
Comemos
Amamos
Cheiramos e beijamos

Afundei-me nos teus sonhos
Embriaguei-me nos teus vinhos
Chorei...
Falei...
Dormi...

O dia me descobriu abraçada a você
Tento e não consigo sair do teu ninho
Ouvi tua voz falando baixinho
Senti nosso encantamento
Mas o sol me chamou lá fora, tinha que ir.
Levo comigo teu cheiro, teus beijos, teu carinho.
Saio preenchida de você.
Fecho a porta... Viro a esquina...

Lucinda Prado